Flora intestinal e o impacto no agravamento da infeção por Covid-19
O organismo humano é colonizado por uma grande quantidade e variedade de micróbios (vírus, fungos, bactérias e protozoários), sendo que a sua maioria se localiza no trato gastrointestinal e a este conjunto designamos de microbiota intestinal.
Qual a importância da microbiota intestinal?
A microbiota intestinal está envolvida em funções cruciais para a nossa homeostasia como a digestão de nutrientes e o desenvolvimento do sistema imunitário. À medida que envelhecemos, em combinação com outros fatores, como a malnutrição, hospitalização, estilo de vida e determinados fármacos, a estabilidade e a diversidade da microbiota decrescem com o estado de saúde da pessoa. Deste modo, uma alteração do equilíbrio da microbiota intestinal ou disbiose pode causar situações patológicas.
Assim, o balanço entre os mecanismos pró e anti-inflamatórios é crítico para a homeostase imunitária e é diretamente afetado pela comunidade microbiana intestinal.
Imunidade e a flora intestinal, qual é a relação?
Relativamente à infeção por COVID-19 sabe-se que o desenvolvimento de imunidade é um fator chave no combate desta pandemia.
Para além disso, a disbiose da microbiota intestinal parece desempenhar um papel fundamental na fisiopatologia da COVID-19, nomeadamente na gravidade da sua evolução, segundo uma investigação portuguesa com 115 indivíduos infetados com COVID-19 com diferentes estágios de gravidade.
Nesta investigação, observaram que as mudanças na composição da microbiota intestinal observada em doentes com COVID-19 grave, podem eventualmente atuar como um gatilho para promover a inflamação e o aumento da permeabilidade intestinal a moléculas pró-inflamatórias.
Mudanças na composição da microbiota intestinal observada em doentes com COVID-19!
Consequentemente, isto pode induzir um estado de inflamação sistémica, uma vez que esses doentes apresentaram níveis mais elevados de PCR no sangue, um fator de prognóstico recentemente reconhecido para a gravidade COVID-19.
Os resultados desta investigação foram consistentes com dois estudos decorridos em Hong Kong. A similaridade dos resultados, tanto dos que foram colhidos em portugueses, como na população chinesa, apesar da distância geográfica, levou à conclusão de que a disbiose da microbiota intestinal é um forte indicador da gravidade da doença COVID-19.
Desta forma, a estratificação do risco baseada no microbioma do utente deve ser considerada para o controlo da suscetibilidade à infeção por SARS-CoV-2, paralelamente à vacinação contra COVID-19.
Quais as perspetivas e tratamento?
Este estudo abre novas possibilidades para o desenvolvimento de intervenções terapêuticas que visem corrigir a disbiose em utentes com COVID-19. Isso inclui, modificações dietéticas, administração de probióticos ou prebióticos e transplante de microbiota fecal de doadores saudáveis. Espera-se que essas intervenções aumentem a diversidade e abundância de bactérias comensais, contribuindo assim para inibir o crescimento de bactérias indesejadas.
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